27/05/2014

Entrevista com o Coronel Juarez Monteiro

Entrevista realizada por Adriano Peclat com o Coronel Juarez Monteiro, um dos fundadores do Batalhão de Missões Especiais (BME) do Espírito Santo, em 19/05/2014. A entrevista foi feita com o objetivo de ser utilizada pelo entrevistador em seu trabalho de conclusão de curso de graduação em direito, pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Publicaremos a transcrição da entrevista para servir também como fonte histórica para outros trabalhos acadêmicos sobre o BME/ES.




[Entrego ao Coronel Juarez Monteiro uma folha com três perguntas que pretendo fazer a ele e peço autorização para ligar o gravador. Ele autoriza e pede para que eu sente à mesa, na varanda de sua casa, e começa a entrevista].
ENTREVISTADOR (E): O senhor poderia responder a primeira pergunta por favor?
CORONEL MONTEIRO (CM): Porque da criação do BME e as circunstâncias em que ele foi criado? Eu era primeiro tenente, trabalhava no primeiro batalhão da polícia militar do Espírito Santo e na época não tinha tropa especial não tinha. Mais precisamente a idéia era criar uma companhia de choque, um pelotão de choque na polícia militar. E como a situação no Brasil, até o lado político estava se iniciando manifestações e tudo, ai pensou-se em criar um pelotão, uma companhia de choque para atender a essas necessidades se fosse o caso. Eu trabalhava no primeiro batalhão da Polícia Militar do Espírito Santo como disse. Acho que foi mais precisamente por volta de 85. [Neste ponto o Coronel Monteiro demonstra dúvida quanto a data exata que realizou a criação do BME]

E: Em 86, não?
CM: Isso! Foi em 86. Eu já havia feito no Rio de Janeiro o Curso de Operações Especiais, hoje conhecido como BOPE. Então eu fiz o BOPE, fui aluno da primeira turma que se formou no BOPE, no Estado do Rio de Janeiro e lá também na época criou-se esse curso em razão até de haver a necessidade de preparar elementos para poder dar uma formação melhor para os comandados da Polícia Militar para atuar em diversas situações. E que tivesse capacidade de ir além do que tem às vezes até a tropa normal. Então, fiz o BOPE em 1978 e quando estava no primeiro batalhão da polícia militar, nós sentimos a necessidade de criar uma tropa de choque, um pelotão de choque. Ai eu conversei com o comando do primeiro batalhão, dei a idéia para ele, eu já tinha BOPE, e ele me deu liberdade de ação para poder criar. Ai eu selecionei alguns policiais do batalhão e, não me recordo, mas aproximadamente em termos assim de uns trinta homens e me desloquei, me afastei do primeiro batalhão, para ali, era um local bem humilde, onde funciona o Batalhão de Missões Especiais. [Ele az esta indicação, pois sua casa, local onde realizei a entrevista, fica em uma rua ao lado de onde se localiza o BME] E iniciei um treinamento para os comandados, eu escolhi aqueles homens. Primeiro ele tinha que ser voluntário para ir ao batalhão e além de ser voluntário ele teria de ter um comportamento eficiente dentro da própria corporação, não quer dizer que todos os outros policiais não tinham, mas tinham que ser policiais que além de ser voluntários para atuar e que tivessem punições. Então eu procurava selecionar a pessoa mais elitizada para poder pertencer ao pelotão. Porque quando você quer criar uma tropa especial, então você tem que partir desse princípio, a voluntariedade do homem, a capacidade e a especialidade e um homem que não tivesse muito problema, não quer dizer que os policiais nossos tem problema. Em uma instituição grande tem aqueles policiais que às vezes se destacam, selecionei esses homens e trouxe para ali, local onde funciona o BME, e começamos a fazer treinamentos e naquela época já começou também a haver muitas manifestações, até manifestações de rua em razão da existência dos grupos de oposição, politicamente falando, e começou a ter muito problema. Até iniciava na época, ou já estava em andamento, à atuação do pessoal que hoje deve está ai, o pessoal que eles chamavam do PT, que fazia muita manifestação de rua e tudo.

E: Sindicatos e essas coisas?
CM: Sim, eles se movimentavam muito. Para poder atuar em um grupo desse comecei a dar treinamento para a tropa, está entendendo, e  participamos, começamos a participar das ações  e trabalhamos bastante desde aquela época. E em razão do trabalho que a tropa prestava, o próprio comandante do batalhão, o comando geral, o comando do CPO na época, eu apresentava as necessidades e eles começaram a dar força para a criação do batalhão. E nós começamos a treinar treinamento constante, distante e atuações, não tínhamos quase que sem escala, a nossa tropa trabalhava quase que vinte e quatro horas por dia o número reduzido e começaram muitas manifestações.  A gente procurava aumentar o efetivo, mas o nosso trabalho era quase que vinte e quatro horas por dia. Uma vez eu liberava os comandados meus para ir para casa, mas tudo com o telefone e endereço, pois a qualquer momento eles podiam voltar. Eu, por exemplo, às vezes ficava vinte e quatro horas direto, porque no início eu comandante, primeiro tenente Monteiro, trouxe comigo dois oficiais da época, foi até o aspirante Barcelos, na época que veio junto, e depois também eu trouxe  o Ramalho, Nylton, oficiais que passaram tudo como aspirante comigo. Excelentes comandados, me ajudou muito na criação e na formação.

E: Ramalho o atual comandante do BME?
CM: É o Ramalho hoje é o atual comandante do BME, foi comandado meu, aspirante, depois segundo tenente, primeiro tenente, até quase capitão. Às vezes saia em razão de quando era promovido, às vezes não tinha vaga, mas são homens de frente e de total confiança que a Polícia Militar confia totalmente no comando da tropa. [Quando se referia ao Tenente Coronel Ramalho e toda a sua trajetória no BME sob o seu comando e após se tornar comandante no mesmo batalhão demonstra uma sensação de orgulho]. E começamos a trabalhar, as necessidades iam se apresentando e a tropa treinando diariamente e constantemente, porque tropa especial ela tem que estar sempre treinando, sempre aperfeiçoando, estar sempre preparada para as atuações, a qualquer hora do dia e da noite. Porque tropa que entra de serviço às vezes ela não tem que esperar, ela tem que sair, às vezes tem que emendar em razão das necessidades. Então por isso que às vezes, nem todo homem tem a capacidade de pertencer a uma tropa especial. E nós começamos a trabalhar em razão das necessidades, como eu disse, das grandes manifestações que viam ocorrendo o efetivo teve de ser aumentado  e passou a ser companhia, depois eu fui a capitão, passei a comandar a companhia, depois eu fui promovido a major ai passou a companhia a ser companhia independente, com o comando de major, e depois eu estava para ser promovido a Tenente Coronel, até mesmo antes de ser Coronel, o comando na época achou por bem por bem passar a chamar companhia de choque, pelotão companhia de choque nós  tínhamos. Criamos o canil também, que havia a necessidade da presença dos cães, era muito importante. E depois o Comando geral achou por bem, até eu dei também a idéia juntamente com meus oficiais, na época trabalhava com o Coronel Mangnaco também, Tenente Renato Duquain, e vários outros oficiais, Ferrari e ai vários oficiais trabalhando comigo então houvesse a idéia de criar um batalhão, pois precisava da existência do batalhão. Ai o Comando Geral na época, acredito que até o Coronel Orichi, comando geral do Coronel Orichi, a tropa passou de companhia independente e passou a se chamar batalhão e Batalhão de Missões Especiais, hoje que é conhecido como o BME. Uma tropa muito respeitada, dentro do Estado do Espírito Santo e de todo o Brasil. Já recebemos elogios na época do pessoal de fora, polícia de São Paulo até vinha nos visitar, visita nós recebemos do pessoal de fora. Exército, o nosso Exército do 38º Batalhão, trouxe uma vez, eu ainda era primeiro tenente, o comando do 38º eu não lembro o nome do Tenente Coronel, era até muito amigo, e trouxe os comandados graduados e os oficiais todos para conhecer meu local humilde onde a tropa atuava, pois eles viam tanta eficiência no trabalho da tropa e dedicação que veio conhecer e vê que trabalhando em um lugar tão humilde, pequeno até e a dedicação que a tropa tinha. Fiz palestra para os comandos dele, sargentos e tenentes que ele trouxe ficaram muito satisfeitos, recebi muitos elogios da polícia militar de fora. E hoje a nossa tropa está ai, ela tem um grande nome é um batalhão de missões especiais, continua tendo a tropa especial, preparado para várias situações, tem a companhia de cães, a companhia de choque que é do próprio batalhão. Então para cada missão tem a especialidade do grupo, da turma, do pelotão e da companhia formada está hoje sob excelente comandante que trabalhou e acompanhou os primeiros passos, que é o Tenente Coronel Ramalho, ele é um excelente comandante e está a frente da tropa e está conduzindo muito bem o trabalho é o que a Polícia Militar espera que continue  este trabalho especial da polícia.

E: Somente os eventos é que faz a necessidade de criar um batalhão especial? Uma vez fui a uma palestra realizada pelo BME e eles mencionaram uma ocorrência no fórum em São Mateus, antes da criação do BME, que o cara fez o Juiz refém a polícia invadiu e vários policiais ficaram feridos sendo que somente eles estavam armados, isso também influenciou na criação do BME?
CM: Na época, não me recordo o ano, mais foi antes da criação do BME, mas são as situações que as vezes elas vão surgindo e criou-se a idéia, lembrou que precisamos  de se ter uma tropa melhor preparada. Tanto é que o problema que teve no fórum de São Mateus foi tão grave a ponto de ter sido baleado o comandante do batalhão, Coronel Araujo na época, quer dizer, foi baleado, levou um tiro e veio até a falecer. Sem criticar os companheiros que atuaram na época, mas faltou um pouquinho de experiência para lidar  com aquela situação,então estas situações todas foram gerando e fazendo com que criasse uma tropa especial, então é uma tropa que ela existe, uma tropa que tem que estar pronta para cumprir qualquer missão da hora do dia ou da noite.

E: Então o senhor acha que é isso que diferencia o BME da tropa convencional?
CM:     É porque na realidade é o seguinte o policial ele é formado, passa o seu período de formação ele aprende a atuar em praticamente quase todas as situações, mas depois que ele sai do período de formação no CFA, no caso o soldado, ele é colocado como de trabalhar, mas ai passa a trabalhar, mas em dupla ou em três homens, quatro homens e números mais reduzidos, situações menores de ocorrência, de menor nível. Agora quando você pega uma situação de um nível maior, aquele grupinho que está ali ele não é preparado para atender aquele tipo de ocorrência, então precisa haver um efetivo maior, uma tropa mais preparada para poder usar. Não se vai desmerecer a nossa tropa, a tropa toda é formada, só que às vezes o emprego é um efetivo maior para a mesma atuação do que um número reduzido. Dois ou três homens atuando em uma situação ou quatro, agora tem situações que você precisa de trinta sessenta ou cem homens juntos, então o treinamento é mais especial, mais específico para cumprir determinada missão. O treinamento de choque, o treinamento de controle de um presídio, adentrar em um presídio, o controle de um seqüestro, tanto o comandante da operação, como os policiais que irão atuar eles tem de estar preparados para essa missão específica que requer mais aprendizado, mais especialidade do homem que estiver atuando.

E: O treinamento é muito mais específico do que o da tropa especial?
CM: É mais específico, o homem da tropa especial ele sempre esta em treinamento constante para o cumprimento das missões. O que às vezes difere um pouquinho do outro grupo que trabalha no policiamento normal de uma rádio patrulha, em um policiamento ostensivo, o policiamento a pé na rua, então há certa diferença. O soldado ele tem a base, mas talvez um pronto atendimento, preparo talvez no momento até o emocional para atuar naquela vez dificulta um pouco, então é preciso ter esse homem para poder chegar e atuar. No presídio, por exemplo, quantas vezes a gente estava atuando e lá tinha até um destacamento eles passavam, os presos, a não respeitar mas quando chamava o Choque que tava chegando acabou, tinha que respeitar. A partir do momento que se chama uma tropa especial para ir atuar ela tem que ir e resolver, não tem que ficar, tem que ir e resolver. Então o Choque quando chegava, eu comandava a época todas as operações, quando chegava era para resolver. Resolvia da forma que teria que ser resolvido, tinha a autoridade, tinha ser respeitada ela tem que ser respeitada.

E: Então o BME é o limite da PMES?
CM: Quando não tinha mais condições de ir lá a tropa convencional, podemos dizer assim de atuar, não tinha mais condições ai, epa, chama e desloca o choque, ai ele ia para resolver, para acabar, com a rebelião, com força adentrar o presídio usando gás, bomba de efeito moral porque tinha que resolver que se não resolver onde é que fica a autoridade.

E: E como o senhor vê a atuação do BME hoje?
CM: Muito boa porque eu comandei o BME durante 15 anos, eu criei e comandei durante 15 anos e os oficiais que hoje estão lá comandando são oficiais que começaram desde a base, eles receberam todos os ensinamentos e fizeram cursos se especializaram mais e a tropa hoje é uma tropa muito boa. O Batalhão de Missões Especiais da Polícia Militar do Espírito Santo é uma excelente tropa e bem comandada, não só pelo comandante, mas os dos demais oficiais que integram os sargentos e todos os policiais.
 
E: Como o senhor selecionava esses homens para integrarem o BME no seu início? Foi com base em finidade com eles ou somente observando os formulários para vê se não tinham punições?Qual critério o senhor utilizava?
CM: Inicialmente eu comecei com os homens do meu pelotão e fui ao CFA na época, não sei ainda se já era CFA ou Companhia Escola, acho que já era CFA, o período de formação de recruta eu fui lá e selecionei os homens que estavam no início  da carreira no recrutamento. Selecionei e o comandante geral me deu liberdade para ir lá, e eu ia lá e toda vez que formava um pelotão eu selecionava alguns homens para vir para o BME. Então, depois que formava lá, eu trazia para o BME. Quando chegavam ao BME esses homens, recrutas, novos policiais, eles entravam em um novo período de aprendizado de uma tropa especial, aprendendo todas as situações que pudessem ocorrer e se necessário tiverem que atuar, então todos os policiais tinham instruções constantes. Então trazia para cá novo ai fui aumentando o efetivo, ai pelotão, companhia, foi aumentando e tudo e até hoje também os novos comandantes todos que passaram eles procuram fazer isso. A gente procura, quando forma no CFA o policial, vai lá e escolhe, nome por nome, quem é o policial e traz para o Batalhão de Missões Especiais.

E: Essa seleção é para passar por um período de testes?
CM: É. Aqueles que vêm primeiro porque eles são voluntários para vir, quem quer vir é voluntário, a gente tinha até que dispensar muito, porque grande parte tem vontade de vir e servir na tropa especial, mas tem muitos que não querem, tem um monte que prefere trabalhar normalmente em outras situações, em situações normais. Mas não tem dificuldade, muito pelo contrário o que quer trazer para o BME as vezes a gente tem até que dispensar alguns porque o número de voluntários ele é, e sempre foi assim, bem grande para poder servir na tropa especial da PM.

E: Com essa quantidade de voluntários o filtro tem que ser bem maior, não é?
CM: Não tenha dúvida, mas só que facilita para nós nesse caso ai é que você traz ele novo ele entrou para a polícia e acabou de ter o período de formação e antes de formar a gente vai lá e seleciona.  Ele já vem para cá dando seqüência no período de formação que é muito exigente e quando ele chega ao BME ele terá uma seqüência daquilo ali e continua sendo exigente cobrado e aperfeiçoando mais ainda. E aqui é instrução constante, então é um seguimento quase do período de formação a tropa do BME, então da aquela seqüência. Então o homem entra aquilo situa e passa trabalhar.

E: Nesse caso o homem já chega fresco para ser treinado.
CM: Já vem de lá sem problema, sem vício nenhum para o treinamento.

CM: O que diferencia o BME dos outros batalhões da PMES? E como avalia a atuação do BME hoje? [Coronel lê em voz alta a folha com as três perguntas que havia entregue quando iniciei a gravação das perguntas] Já falei para você que a atuação dele é excelente atua muito bem e de acordo até com a situação que está vivendo hoje a nossa situação é de uma impunidade muito grande, quero deixar bem claro que é preocupante, hoje é preocupante a situação do nosso país, do Brasil, hoje é preocupante. A cada dia que vai passando a preocupação aumenta em razão de a gente não vê, é... abraçaram muito a chamada impunidade, então a impunidade está muito grande no Brasil. Em razão da impunidade a tendência é aumentar o número daqueles que praticam atos errados. Porque se você não corrigir no início ou não punir a tendência é aumentar. A falta de respeito para com as autoridades é muito grande no Brasil e precisa criar-se uma doutrina ou mudar as leis, o Judiciário até lutar para mudar as leis para poder educar mais o povo e como a família, a família de casa, você foi criado pelo seu pai e muito bem criado, seu pai basta falar com você e você sabe que é sim senhor e não senhor, você aprendeu, basta seu pai olhar para você e se tiver algo errado você imediatamente se corrige. E é papai, sim senhor, não senhor você tem que ter, acho que tudo horário para as coisas. Hoje a liberdade fez o que os menores e a impunidade, essa falta de punição ao menor de dezoito anos ela é muito grave, porque que o homem pode votar com dezesseis anos e não pode ser preso. Pode matar, pode estuprar, pode assaltar, então é preocupante precisa o Brasil acordar nesse sentido.  O papai se for corrigir o filho e for um pouquinho mais enérgico o filho já está virando para o pai e falando, “o que foi não sei o que” respondendo mal e sujeito se o pai pegar e der um coça no filho, porque respondeu mal antes, chamar e prender o pai porque corrigiu e educou o filho. O Brasil tem que acordar, se não acordar vai ver o ponto que vai chegar a situação do Brasil, então acorda e muda porque senão não vai ter jeito. O Batalhão de Missões Especiais o que difere ele dos demais batalhões é em razão disso, porque o Batalhão ele é preparado para atuar nas missões difíceis, nas missões em que precisa de uma tropa especial, uma tropa preparada, para atuar naquela situação, então os outros batalhões são muito importantes, mas assim como a situação preventiva, porque o policial é educado e formado para estar na rua e que bom se pudesse colocar para cada cidadão um policial, mas não tem condições o país não tem condição de fazer isso. O que precisa é o seguinte é ter mais respeito com a autoridade, quando começar a ter mais respeito com a autoridade pode até diminuir o número de policiais trabalhando na rua, agora a partir do momento com a existência da impunidade ai a tendência é só de aumentar o número de policiais, mas está aumentando ali, tem que diminuir aqui e não se preocupar de aumentar ali. Tem de diminuir o errado porque tem que diminuir para não ter que pegar e aumentar o número de educadores e está muito errado hoje no Brasil.
Mas os outros batalhões são muito bons, só que toda a polícia militar tem uma tropa especial, uma tropa que tem um treinamento constante para atuar nessas missões que vem apresentando hoje no Brasil em todos os sentidos.
 
E: Eu li que a questão diferencial da tropa especial surgiu como uma forma de diferenciar o treinamento, os equipamentos empregados, essas coisas.
CM: Não tenha dúvida, hoje que esta a polícia militar preocupando em adquirir equipamentos para ela se proteger, porque os vagabundos, os bandidos, os ordinários que fazem as manifestações estão pegando pedra, rojão e jogando em cima do policial e o policial ele está se resguardando para não ferir. Enquanto ele toma uma pedrada nada a própria imprensa nossa infelizmente ela passa um pouco a mão em cima dessa situação e só preocupa em difundir o erro do policial, o policial pode tomar uma pedrada, ele pode morrer, mas se ele der um tapa no camarada no meio da rua o policial que está errado.
Acorda Brasil, educa para que não  ter  que aumentar o número, porque daqui a pouco quantos policiais vão ter que ter para poder atuar nessa situação, então tem que acordar para a formação, para educação e acabar com a impunidade [Neste momento o Coronel já está falando bem próximo ao gravador, parecia com a intenção de que isso ficasse bem claro na gravação, pois seu tom de voz se alterou. Após esta fala o Coronel Monteiro para de falar, seu celular começa a tocar. Ele me pede desculpa e pergunta se era só isso. Digo que sim e desligo o gravador].


07/05/2014

O que pensa um gestor público sobre a máquina burocrática do estado brasileiro



ENTREVISTA REALIZADA POR JOÃO LEANDRO PEREIRA CHAVES COM O SUBSECRETÁRIO DE GESTÃO ESTRATÉGICA DE VITÓRIA/ES, EM 2013.
Subsecretário (S) - Olá, vamos lá João?
Entrevistador (E) - vamos.
S - Vamos lá na mesa da minha sala, bom que a gente fica mais a vontade. Tem uma mesinha lá pra nós. Eu fiquei por aí, tive que estudar e tal. Foi um feriado mais ou menos né
E - você fala de ontem né?
S - Pois é, foi dia do servidor público, fiquei em casa fazendo um trabalho. Dizer que eu não trabalhei é exagero.
E - um dia só é difícil, né?
S - Estava preparando uma aula que eu tenho que dar amanhã aqui na prefeitura.
E - É?
S – E ainda tem gente que fala que servidor público não trabalha. Fico puto. A gente tem um monte de vagabundo né cara...
E – Muitos, né?
S - Tem muito vagabundo. Você acaba trabalhando por dois.
E - você trabalha pelo que não trabalha.
S - Tinha que poder demitir cara. Tinha que poder demitir. [...] Senta aí, cara.
E - Queria agradecer a disponibilidade de horário. Sei, pelo tempo que fiquei ali, que é a maior correria aqui, cheio de gente
S - Não, que isso cara. A gente acabou marcando ontem né, mas não rolou.
E - É. A Rafaela (secretária) me ligou falando. Eu estou fazendo um trabalho, sou aluno da FDV, sou do décimo período, e é um trabalho que trata justamente desse papinho que a gente teve vindo pra cá, sobre o funcionalismo público sob a ótica da sociologia, buscando o porquê do funcionalismo público hoje em dia ser como é no Brasil. Como o senhor...
S - Senhor não, pô! (risos)
E – Desculpe-me, você. Como você já adiantou o funcionário que não pode ser demitido e já tem uma garantia de emprego né, e isso dificulta o próprio trabalho aqui, e creio que em uma secretaria de Gestão Estratégica, aonde é quase que o coração assim da prefeitura, isso influencia bastante. Acho que olhar pelo enfoque de vocês é interessante para ter uma dimensão. Gostaria que você falasse um pouco disso.
S - Eu vou te dar minha opinião. Eu estou no serviço público há pouco tempo, há dois anos. Eu sou servidor efetivo, concursado e eu vim há três meses, eu vim pra cá, pra prefeitura, cedido. É igual contrato de jogador de futebol. Meu passe pertence ao Governo do Estado, e eu fui por empréstimo cedido à prefeitura à convite da Secretária Lenise, pra compor este quadro, quadro técnico né. Quando eu assumia a secretaria, a subsecretaria de gestão estratégica ela compõe um grupo de pessoas que tem cargo comissionado, mas ela compõe um equipe técnica, que é o normal na maioria das vezes, pra trabalhar com os demais funcionários da prefeitura que podem ser efetivos ou não. No geral são e..., em geral são, tem muitos efetivos que podem ocupar esses cargos comissionados, que podem exercer esse tipo de trabalho. Por eu ter vindo da iniciativa privada, algumas coisas, como tudo na vida, eu acho, tem seu lado bom e seu lado ruim, tudo. Lá na iniciativa privada tem muitas coisas boas e ruins, e aqui também, muitas coisas boas e ruins. Aqui, falando especificamente do trabalho no serviço público, que é o que a gente está falando, muitas vezes o excesso de burocracia, não é a burocracia em si. Eu acredito que o negócio é um negócio legal de um curso que eu fiz a pouco tempo. A gente vê a burocracia como um termo ruim. A burocracia não é ruim, a burocracia é bom. A burocracia é o que permite, é um conjunto de leis...
E – é uma forma de controle né.
S - É uma forma de controle do Estado. É o que permite que você seja transparente e seguro pra dar satisfação pra sociedade sobre o dinheiro que ela aplica. Mas qual o problema na minha opinião? É o excesso dela, de  burocracia. É o excesso de burocracia que faz essa lentidão, essa coisa que as pessoas vêm com grande descrença. Isso as vezes atrapalha até a gente que quer fazer determinado trabalho. Por exemplo, a gente... você vai contratar um serviço, a prefeitura vai contratar um serviço. Ela tem que fazer uma licitação. Essa é a lei. Se, por acaso, a empresa que ganhar essa licitação, a gente tem que contratar, mas e se essa empresa for ruim? Não cumprir o papel ao qual foi contratada.
E – apesar de cumprir os requisitos legais, você está suscetível a...
S - O número de exigências que a gente tem que fazer pra cumprir, pra tirar essa empresa e botar uma outra é tão grande e tão demorado, que muitas vezes você fica obrigado a assinar um termo contratual, que se fosse um contrato privado, lá fora, você teria cortado e acabou, corta essa porra e vão bora. E aqui não. A gente é obrigado a cumprir N procedimentos, prazo de 30 dias, aguarda em determinado setor,
E – prazo para processo administrativo...
S - abre um processo administrativo, a empresa tem o direito de recorrer do processo, aí são mais 30 dias, e quando você vê já se passaram três, quatro meses.
E – Aí até contratar outro né.
S - Aí você tem que abrir outra licitação, até contratar outra, já se passou metade de um ano. Aí o cidadão que está lá fora que tem o direito de cobrar, muitas vezes não entende isso, e fala: o pessoal aqui na prefeitura está coçando o saco. Tem que batalhar pra vencer o excesso de burocracia, o excesso de leis e que a gente tem que, eu acho, tudo isso vai ser e pode ser melhorado quando for feito as reformas políticas né, pelo Governo Federal, e assim por diante. Muita coisa pode ser melhorada. Eu, particularmente, já sinto uma alguma melhora, tanto do governo do Estado do Estado do Espírito Santo, como aqui na Prefeitura. O governo do estado já começou a mais tempo, e aqui na prefeitura  a gente está começando agora. Começou esse ano, pelo que a gente chama de gestão pra resultado, a gente montar todo o nosso planejamento estratégico com uma metodologia de gerenciamento de projetos. E qual é objetivo disso? O objetivo disso é a gente ganhar agilidade, identificando as dificuldades, identificando aonde estão as coisas erradas, fazendo um controle e um acompanhamento de todos os processos com mais rigor, sempre se buscando atingir metas. Essas metas são metas de prazo, são metas financeiras, de reduzir custo, metas de prazo principalmente, e as metas finais, que são chegar ao objetivo de atender ao cidadão.
E - você falou de burocracia. A parte mais prejudicada é o próprio cidadão né, por essa lentidão às vezes... por mais que  a secretaria busca atuar de maneira mais célere possível, ela esbarra na própria burocracia.
S - O grande prejudicado é o cidadão, é óbvio, e acaba que nós mesmos, nós que somos servidores também. A gente trabalha com muita gente boa, tem técnicos muito bons, profissionais muito bons e a gente atualmente não consegue desenvolver determinado trabalho por conta disso. Isso aí é bom Falar né, é Brasil, isso em qualquer prefeitura, em qualquer Governo do Estado.
E – É a mesma estrutura pra qualquer lugar do Brasil né

A estrutura é a mesma para todas do Brasil. O que muda é pequenas leis mais localizadas, mas estão apresentando sinais de melhor. Como eu falei, o Governo do Estado começou a um tempo um trabalho, se eu não me engano há cinco anos, uma gestão por resultado, eles já estão bem desenvolvidos, e estão inclusive ganhando prêmios aqui no Brasil por conta disso, prêmios concorrendo com empresas privadas. Agora nesse ano de 2013 o Governo do Estado ficou em segundo lugar no concurso, onde só o Governo do Estado concorreu como instituição pública, o resto era tudo empresa privada. Isso já é um sinal bem bacana. E a gente está indo no mesmo caminho, A prefeitura de vitória. A gente começou desde o início do ano uma mudança bem radical aqui que foi a implementação desse sistema de gerenciamento de projetos. Então não dá mais pra trabalhar dentro daquelas caixinhas isoladas. Como assim: um exemplo: você tem a secretaria de saúde trabalhando no combate ao crack, mas o crack ele se combate só com projeto de saúde? Não. Assistência social, educação e assim por diante. Então, ao invés de ser como antigamente, que a secretaria de saúde trabalhava sozinha no projeto. As vezes muito bom. A secretaria de assistência social trabalhava sozinha em outro projeto, e assim por diante. Agora a gente trabalha horizontalmente, é todo mundo junto. Existe um programa de combate ao crack, que chama “aonde anda você?”, onde atuam diversas pessoas, que podem ser da secretaria de saúde, educação, assistência social, de gestão estratégica. Então, você une forças e acaba ganhando velocidade, já que você poupa tempo dando volta pra cima e pra baixo.
E – porque não adianta nada às vezes uma secretaria adotar uma política e as vezes outra que influencia diretamente adotar uma política diversa né.
S – é, uma outra diferente. E a gente agora trabalha junto de forma a interagir com gente de outras cidades, de outros países até.
Momento em que uma pessoa para a reunião de 9:30 chega à sala.
S - A gente está funcionando mais ou menos assim agora, mais ou menos que eu digo que a gente está em um processo de construção. Neste momento a gente está exatamente terminando de construir todos os programas, terminando essas construções, elaborando os projetos com seus cronogramas, os dados, e hoje, muitos deles já estão em execução, pra gente já começar a apresentar resultados agora no final do ano para a sociedade.
E - É uma forma de tentar driblar um pouco esta burocracia, adotando políticas mais integradas, visando dar mais efetividade né?
S - Quando se diz driblar a burocracia, até porque infelizmente esse excesso de burocracia é lei, driblar não seria de repente o termo, é a gente tem que identificar os pontos, porque não é só a burocracia. Eu seria irresponsável, eu acho, se eu culpasse só o excesso de lei, de burocracia que causa a lentidão. Não é. Tem que identificar, e por esse metodologia a gente consegue isso aonde estão os nossos gargalos, aonde estão as falhas no processo que antes a gente não enxergava, talvez ou pelo excesso de burocracia, ou por outros motivos, muita gente não enxergava. Uma lentidão em um determinado processo, que passava duas vezes no mesmo setor, por exemplo. Há necessidade de passar duas vezes pelo mesmo setor? Não, não há, então vamos resolver essa parte...
E – menos uma etapa né.
S - menos uma etapa, vamos evitar ela. E assim por diante, identificando todos esses gargalos que já existem, identificando os riscos que no futuro podem surgir.
E - e você acha que o quadro de servidores, relativo ao andamento dos processos, os servidores que não possuem qualificação para ocupar tal cargo.
S - Eu acho que atrapalha. Talvez o desafio maior não é só na questão da contratação, né, “ah, vamos contratar sempre mais”, não é isso. Eu acho que em um primeiro momento o que a gente tem que ver também é um trabalho no sentido de você avaliar cada pessoa pra tentar obter o melhor dela. Existe uma coisa no serviço público de maneira geral, no Brasil, que é o seguinte: as dificuldades de você punir um mal servidor e as dificuldades de você beneficiar um servidor que tem um cargo muito bom. Foi o exemplo que eu te dei, que às vezes um cara muito ruim, que você não pode demitir porque não cabe. Mas em contrapartida, se você pega um funcionário, assim, nota mil, você não tem como dar um aumento pra ele, você não pode promover, porque isso é lei, ele vai continuar no mesmo posto. Essas São dificuldades que a gente poderia, em um futuro, pensar em melhorar.
E – só pelo fato do servidor ter um cargo comissionado não significa muita coisa né. Pode ser um servidor já efetivado que produz menos que um comissionado, ou você acha que isso...
S - A diferença em ser efetivo e comissionado, não acho que tenha muita diferença não. Porque você pode dar esse mesmo cargo comissionado a um servidor efetivo. O ideal é que se busque nessas pessoas, como eu estava falando, os perfis adequados, né, porque nem sempre, um profissional... Você é de que área lá na FDV?
E - Faço direito.
S - Então, por exemplo, dentro da sua faculdade, você tem várias áreas. Você tem direito tributário, criminal, ambiental, ás vezes se você for entrar em determinada empresa e for “jogado” em uma área que não é o seu perfil, você cuidar de direito de família quando na sua vida inteira você é um especialista em direito tributário, você não vai desenvolver bem, você não vai ficar satisfeito. O ideal é que você consiga buscar nas pessoas o perfil adequado e tentar adequar àquilo que ela vai atender melhor. A gente tem conseguido isso aqui com algum sucesso. É claro que nem sempre é possível fazer, mas na medida do possível a gente está conseguindo fazer, com planejamento, com o objetivo de dar mais eficiência, e também sem perder o foco que é o objetivo do governo de redução, o governo de Luciano Rezende, de redução desses cargos comissionados, a gente teve uma queda de receita muito forte, e a gente infelizmente tem que andar de acordo com a realidade econômica do país, a gente sabe. O dinheiro está curto, a receita caiu muito, e a gente tem que se adequar a isso como qualquer empresa, não é porque é a prefeitura. Se fosse uma empresa privada a gente teria que andar na linha do mesmo jeito, não é? Na prefeitura é assim também. A gente sabe que temos responsabilidade.
E – Bom, acho que era isso que eu vim aqui pra conversar. Sei que você está atrasado para a outra reunião
S – não, estamos esperando mais uma pessoa.
E – não, era mais isso mesmo que eu queria tratar, a questão de eficiência, da burocracia de cargos, de servidores também, e eu saio daqui com uma boa impressão, creio que é esse mesmo o objetivo, eu acho, de se adequar à realidade e não existe mais espaço para amadorismo, tem que ter profissionalismo e eu vejo que...
S – É, tem que ser profissional. Essa conversa que eu estou tendo com você, na verdade é uma conversa que eu tenho com muita gente. Teve uma vez cara, que eu tava no carnaval com meus amigos. Amigo meu piloto da TAM e dois colegas dele, pilotos também, todo mundo junto, estávamos lá no RJ. E os caras danaram de falar mal de funcionário público. Eu comecei a ir ficando puto, puto, puto. Mas o que eu sinto, o que acontece, falta de conhecimento dos caras, falta de conhecimento de como funcionam as coisas, como é dividido no nosso país os três poderes, e aí muitas vezes por conta da má fama de um político que é um cara no judiciário que ganha 20 mil reais, que eles acham que todo servidor público ganha isso. Não é assim. No executivo os salários não são assim. Esses salários altos é no executivo e no judiciário. Perdão, no legislativo e no judiciário. É essa turma que ganha 29, 20, 19 mil reais. Aqui no executivo não é assim. Professor não ganha assim, polícia não ganha assim, bombeiro não ganha assim, salva-vidas não ganha assim, que é o maior número de funcionários é esse. O poder executivo é muito maior que todos os outros.
E - a pessoa já tem uma ideia daquele servidor público, uma cultura daquele servidor que não gosta de trabalhar, que é preguiçoso, sempre em um ambiente altamente burocrático que não atende bem as pessoas, e acho que não é bem assim, hoje em dia a tendência...
S – Sinceramente, eu acho que está mudando pra melhor, sem sacanagem. Está mudando lentamente, não tem jeito. Infelizmente muda devagar, não tem como ser tão rápido, mas eu acho que está mudando pra melhor. Esses concursos públicos que estão tendo por aí estão ficando cada vez mais profissionais, porque o que que acontece: antes qualquer um fazia um concurso. Olha um concurso aí pra... Não precisa ser pra juiz, pra um cargo qualquer. Você tem um concurso de nível médio. O que tem de advogado formado fazendo concurso de nível médio é imenso, então você está se especializando. É sempre bom você estar colocando pra dentro pessoas que são especialistas. Ainda tem que melhorar este lado que eu te falei, realmente uma forma de você valorizar os bons profissionais. Senão o que acontece. O pessoal vai especializando, e vem a iniciativa privada e tum, leva embora. Se a gente quer, digo a prefeitura, o Governo do Estado, se a gente quer o mesmo desempenho de uma empresa privada, beleza, eu acho legal. Então você tem que jogar com a mesma regra, a mesma regra do jogo. Não adianta, no caso dos meus amigos pilotos que a gente estava falando mal da Infraero, que é uma empresa federal, que cuida da infraestrutura dos aeroportos. Não dá pra reformar a Infraero. É muito fácil. Eu falo sempre isso. Agora que eu estou do lado de dentro do balcão, é mais fácil eu fazer concurso. É muito fácil eu ir pro aeroporto de Vitória, do Rio de Janeiro, que são uma bosta todos eles, e falar: “ah, isso aqui é um lixo”. quanto tempo tem que a Infraero não tem um concurso público? Para botar profissionais qualificados lá dentro. Tem muito tempo. Olha o orçamento dos caras da Infraero. Eles não tem dinheiro pra nada. Você vai em muita empresa aí, pública, muitas vezes eles passam um aperto de não tem dinheiro pra comprar papel higiênico. Como que você consegue um profissional bom? O cara vai embora, vai embora. Então você tem que ter um olhar crítico e ver toda a situação. Vamos avaliar como uma empresa? Vamos, vamos avaliar por dentro e por fora. Para um desempenho bom ela tem que ter recurso financeiro, recursos humanos, e tudo otimizado. Claro, não é colocar um monte de funcionários pra dentro pra ficar coçando. Se o funcionário não está bem, manda mal, não quer trabalhar, deve existir mecanismos para mandar embora. Alguns mecanismos já existem. Eu ainda, como eu te falei, sou servidor há dois anos, pelo Governo do Estado. Eu tenho que cumprir o chamado estágio probatório por três anos, onde eu só vou alcançar minha estabilidade depois de três anos como servidor, porque eu não sou estável. Eu sou avaliado semestralmente e se eu não tiver uma boa nota posso ser demitido, e isso é importante. Eu acho que tem que ser assim mesmo. Para o cara que falta, para o médico que falta o plantão, tem que ter esse tipo de coisa. E aí as coisas começam a funcionar.
E - é uma mudança gradativa né, não se pode mudar da noite pro dia.
S - Da noite pro dia não vai mudar. Você tem que mudar muita coisa, como lei. Isso não se muda da noite pro dia. Mas eu confesso que vejo uma esperança. As coisas então melhorando. Aqui na Prefeitura quando eu vim pra cá a três meses atrás eu vi muita gente boa. Encontrei muito técnico fera que trabalharia em qualquer empresa privada. Claro que tem muita gente ruim, mas aí com o tempo essa turma é mandada embora. Está melhorando, está melhorando. Tenho a impressão de que a gente vai deixar um bom trabalho quando a gente sair daqui.
Momento em que a Secretária envia uma mensagem para o subsecretário. Áudio interrompido.

15/03/2011

Direitos Humanos, mas como?

Segue abaixo um texto do Prof. Miguel Lanzellotti Baldez, publicado anteriormente no Cadernos Najup nº 1, de novembro de 2006. Baldez, é militante dos movimentos sociais para conscientização e luta por direitos, ex-Procurador do Estado do Rio de Janeiro, ex-professor da Universidade Candido Mendes - demitido por liderar o movimento de conscientização e greve dos professores da instituição, que estavam com seus salários atrasados há mais de um ano -, e professor aposentado da UERJ.
O texto abaixo traz uma visão marxista de um possível desmonte da Constituição Cidadã a partir de um projeto neoliberal e da dimensão ideológica dos Direitos Humanos. Mas talvez a parte mais interessante seja que o texto nos ajuda a pensar sobre o processo histórico de construção da cidadania brasileira. Para ele, as demandas populares, que tomaram as ruas do país desde o início da década de 1980, foram cooptadas para dentro da Assembléia Nacional Constituinte de 1987 (com intensa participação dos juristas nisso), transformando a cidadania política em cidadania jurídica.
Boa leitura e boas reflexões!!

DIREITOS HUMANOS, MAS COMO?

Miguel Lanzellotti Baldez

Quando a ditadura militar deixou o procênio político, o discurso institucional fixou-se na integrativa proposta de reconstrução da democracia. Era projeto de todos ou quase todos, universalizado nas variadas instâncias sociais, desde os fundamentos comunitários e sindicais até a mídia globalizada e meios outros de mediação da nação.
Naquele momento histórico, a ação, organizada ou não, do povo levou às ruas do país inteiro a luta pelas eleições diretas, “Diretas-já!” dizia o grito há tanto tempo reprimido. Perderam-se as eleições diretas, e foram elas perdidas, como já se disse em outro texto, em dois tempos: o primeiro, com a estrutura político-militar assegurando contra o anseio do povo a simulação das indiretas, depois, quando o acaso, auxiliado pela dramática aliança entre a incompetência e a demagogia, arrebatou da vida o presidente indiretamente eleito e sacralizado como ícone democrático. Foi assim que a festa das diretas, como o Quincas Berro D’agua, morreu duas vezes.
O processo de democratização passaria necessariamente pela reconstituição do Estado e a conjuntura histórica, tanto nacional como internacional, naquele ponto de chegada e de partida, confluía, em seus efeitos mais aparentes, para a reconceituação da sociedade brasileira sobre fundamentos de claro compromisso com a dignidade da pessoa humana como razão primeira. Entre o fim do antigo regime e o início do novo, atravessava-se um campo de esperanças populares e indefinições institucionais. Pois aqui se tem um fato cuja complexidade merece algum detimento. A instância jurídica, no jogo das contradições, não possuía idoneidade suficiente para sobre-determinar a instância política, que, livre das amarras próprias do Estado burguês, poderia ultrapassá-lo e lançar as bases de outro Estado, verdadeiramente comprometido com as necessidades e lutas populares.
O povo estava nas ruas e era preciso contê-lo, privando-o de concretude e realidade, subjugando-o às teias da rede universalizante das abstrações jurídicas, era necessário eliminá-lo como ser-em-si para recriá-lo como ser jurídico, ou ideológico, e por isso autorizado a existir no campo das relações sociais, cidadão, portanto. O homem e a mulher deixariam de lutar por conquistas concretas preconcebidas em ações, também concretas, dos movimentos sociais e sindicais, e passariam a lutar para serem iguais, mesmo sabendo que tal igualação só poderia ser alcançada fora de si, fora do movimento, submetendo-se, enfim, à subjetivação das abstrações. Enquanto na luta política o homem só se identifica a si mesmo na medida em que se reconhece nos companheiros, na instância jurídica ele só é reconhecido enquanto subjetivado e individualizado por normas e regras abstratas.
À estrutura formal do poder não foi difícil, antecipando a tutela jurídica da ação política, abrir, com aparência democrática, o campo jurídico à participação popular. Mesmo não se compondo o fundamental congresso constituinte adequadamente eleito, criaram-se, no Congresso que já se tinha, fendas ou respiradouros, com o objetivo de canalizar para o bojo da virtual Constituição, através de meios formais, os grandes projetos comunitários então em debate na sociedade. Capturava-se assim, a força política do povo em movimento para abrandá-la em formas jurídicas e direitos, de pressupostas políticas públicas. A lição era clara e deveria fecundar a compreensão e o comportamento do gentio mobilizado, não mais tão atuante, mas ainda tocado pelo aguilhão da ditadura militar: a conquista da vida, da saúde, da educação, da terra de plantar no campo e da terra de morar na cidade, das figuras humanizadas das crianças e do adolescente em lugar do criminalizado menor, em suma, a conquista da dignidade da pessoa humana e da cidadania passariam pela emolduração do Direito antes de consagradas, nas prática democráticas, em direitos, garantias e liberdades individuais e coletivas.
Foram-se todos à via juridicista, sem perceber que, à espreita, de longe no tempo, estava a sombra do liberalismo radical, ou neoliberalismo. Ganhou-se, com todas as dificuldades, uma Constituição de bem definidos e expressivos fundamentos e razoáveis meios democráticos de emancipação política, comprometida com a produção de uma sociedade mais solidária e, no campo socioeconômico, mais igualitária.
Desde o preâmbulo, primeiro compromisso do traçado constitucional, despontam o homem e a mulher não em si mesmos, mas na rede de relações sociais da vida. Embora sem a legitimidade formal adequada, diziam os congressistas em conteúdo de boa essência que o objetivo deles era “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social...” Anote-se que o Preâmbulo não é apenas uma referência ideológica, como alguns, inclusive Hans Kelsen, pretendem, valendo mais como vínculo ou relação conceitual entre a vontade do povo e a vontade da lei, segundo a vocação política do positivismo(1). Esse compromisso fundante já se vê solenemente afirmado na abertura do texto constitucional, precisa e principalmente nos marcos da dignidade da pessoa humana e da cidadania (item III e II do Art. 1º, propositalmente invertidos), tipos que só se articulam como pressuposição de vida no campo das abstrações conceituais, embora devessem assegurar, na concretude dos fatos, efeitos reais. A fonte deste item, o fundamento da dignidade da pessoa humana, parece ter sido a Constituição espanhola de 1978, ato de reconstrução formal da democracia naquela nação, e cujo teor merece ser transcrito, para melhor apreender-se o sentido integral e o valor do compromisso institucional brasileiro: “A dignidade da pessoa humana, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e aos direitos dos demais, são fundamentos da ordem pública e da paz social”. Não de uma paz social meramente formal, distanciada das contradições históricas e restrita à remoção judiciária de eventuais conflitos de interesses individuais ou tecnicamente individualizados.
Tanto na Espanha como aqui, o princípio da dignidade da pessoa humana está imbricado, em continuada relação de reciprocidade, no conceito, também princípio, de cidadania, e atravessa todo o campo constitucional, submetendo-lhe o conteúdo, em apropriadas positivações, aos princípios universais dos direitos humanos(2). Assim, em suas especificidades, ressoa nos princípios objetivos previstos no art. 3º, também do campo dos princípios fundamentais, de cujo finalismo decorrem os compromissos com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, bem como, de modo abrangente, a necessidade definitiva de construir o bem de todos, com o significado de partilha social, e sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, ressoa ainda no campo dos direitos individuais e, notadamente, coletivos, na ordem econômica, na ordem social, na terra, no campo e na cidade, no respeito às nações indígenas e no trato das comunidades negras. O homem no centro da vida social, mas envolvido na dialética do processo histórico. Pois apesar da festa democrática, porta fechando-se sobre o mau tempo da ditadura militar, já se avizinhava a chegada do neoliberalismo, apetrechando-se como senhor do mundo para endurecer e radicalizar o capital. Recorde-se que nesta segunda metade do século XX coincidiram no tempo essa aparentemente tímida renovação liberal, reencontrado fundamento do capitalismo, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Enquanto no pós-guerra assentavam-se na Europa as bases do Estado de bem-estar(3), Friedrich Hayek, autor do ensaio O caminho da servidão, de compromisso com o mercado, fundou, em 1947, em Mont Pèlerin, na Suíça, com celebradas personalidades do universo capitalista, o projeto conteudístico da ideologia neoliberal(4). Embora as diferenças aparentes entre liberalismo político e liberalismo econômico, o liberalismo em si, fincando-se no homem o fundamento do processo histórico, está na raiz do trajeto neoliberal e da Declaração Universal dos Direitos do Homem, na medida em que a plenitude democrática, no viés do capital, só seria alcançada pela via da plenitude econômica.
Assim, muito menos que uma ressalva do Estado de bem-estar social, o pleno respeito aos direitos do homem e da mulher teria como pressuposto a concretização do projeto neoliberal. Mas fora possível isso acontecer nos países de economia avançada, certamente não o seria nos chamados periféricos, ou terceiro-mundistas, ou subdesenvolvidos, ou que nome se lhes possa dar. A esses se aplicariam as regras de dominação globalizadas pelo neoliberalismo sob a gestão financeirista de FMI (Fundo Monetário Internacional)(5), um bem conhecido receituário de números, fórmulas, ações, fluxos e refluxos de capitais.
No Brasil, os fatores de resistência democrática à ditadura militar e as lutas pela sua derrubada, mesmo deslocando-se para o campo juridicista, acabaram por tecer na Constituição Federal, como já se viu, competente complexo de direitos, liberdades e garantias, óbice que, apesar de removível através de pequenos golpes institucionais, como a frustrada tentativa de revisão e as emendas constitucionais, impediu de início a implantação e o avanço do neoliberalismo com seu radicalismo fundamentalista.
O ataque neoliberal, entretanto, não se fez esperar por muito tempo. A primeira tentativa veio logo, valendo-se eles do dispositivo constitucional autorizativo da revisão. Frustrou-se, mais pela incompetência dos agressores que pelas virtudes dos democratas. Na segunda tentativa, porém, foram muito bem sucedidos. Através do mecanismo das emendas constitucionais já fizeram no essencial e estão concluindo nos detalhes o desfazimento da Constituição. Nessa segunda investida, com grande habilidade, não se preocupam em cortar direitos e liberdades, ao contrário, deixaram-nos formalmente sobrevivos no texto, e atacaram, sem dó nem piedade, os fundamentos econômicos, que os especialistas chamam, no conjunto, Constituição econômica. Com a desestruturação desses fundamentos de sustentação do Estado, abriram-se todas as defesas de Pindorama, ou desta quinhentona simulação de pátria-amada, a agressões das mais variadas naturezas nos mais diversos campos da soberania nacional, interna e externamente. Dos títulos que compõem a Constituição, o primeiro a ser desmontado foi o relativo à ordem econômica, revogando-se especificamente: (a) em favor do capital internacional, os benefícios concedidos ao capital nacional; (b) o controle rígido de recursos minerais e potenciais de energia elétrica; e (c) o monopólio do petróleo(6).
Esse, o interesse do capital, o bem sucedido ponto de partida. A revogação dos principais fundamentos da Constituição econômica (Título VIII, Da Ordem Econômica e Financeira) tornou infrutíferos os compromissos sociais constitucionalizados e permitiu o esvaziamento da essencialidade do país. J.J. Gomes Canotilho, no Fundamentos da Constituição, em que analisaram os fundamentos da Constituição portuguesa, bem explicam a relação de valor ou desvalor entre os direitos fundamentais e a estrutura econômica das Constituições: “Em primeiro lugar, os direitos fundamentais não são na Constituição apenas direitos negativos contra a intervenção do Estado; são também direitos positivos, direitos e ações do Estado, contra as carências individuais e sociais”; e em outro ponto do mesmo texto: “Trata-se de um reflexo, no plano dos direitos fundamentais, da relação de tensão entre a Constituição política e a Constituição econômica, ou seja, mais globalmente, do compromisso fundamental que está na base de toda a Constituição(7).
Nesse primeiro ataque à soberania do país depois da Constituição Federal, articulado com setores internacionais, mas executado por servis neoliberais brasileiros, rompeu-se, com sucesso, a relação estrutural entre a “componente democrática – constituição política – e a componente social – constituição econômica”(8), ficando a economia brasileira financeirizada e submissa à nova ordem imperial e suas implacáveis instituições – “o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, estruturas comerciais como o NAFTA e encontros executivos do G-7, como alerta Noam Chomsky (A Minoria próspera e a Multidão inquieta). Substituiu-se a base econômica, que tornaria concretos e efetivos, na concepção constitucional, os direitos e garantias sociais, pela procura da confiabilidade internacional, mito criado para justificar ideologicamente a inserção do Brasil na chamada nova ordem internacional. Pois sem sustentação econômica, conteúdo da Constituição Econômica, perderam-se, pelo esvaziamento, aqueles direitos e garantias – vida, saúde, educação, reforma agrária, reforma urbana etc., e, na raiz do fundamento econômico, o direito ao emprego.
Como tratar – pergunte-se agora – de direitos humanos neste Estado cuja desconstitucionalização tornou inexeqüíveis os direitos fundamentais já positivados no campo institucional? Impossível será, parece claro, conciliar o conceito de direitos humanos em seu sentido social com o curso histórico do neoliberalismo, em cujo processo se deu o desenraizamento do homem em suas relações vitais com a sociedade, isolando-o e excluindo-o. Não se tem mais, institucionalizadas, no campo dos direitos humanos garantias e prerrogativas, e não são suficientes as intervenções pontuais de ONG’s e de pessoas bem intencionadas. Enquanto se perdem ou se reduzem as garantias essenciais, a violência vai crescendo e tornando-se extensiva e de alcance gradativamente coletivo, no elevado índice de desemprego, nas doenças endêmicas e epidêmicas, nos despejos massivos, nas agressões institucionais ou não, no encarceramento judiciário de crianças e adolescentes etc.
Não será fácil identificar e construir novos mecanismos e caminhos de emancipação, quando se tem um quadro social como este que aí está diante de todos, com persistente generalização da miséria e perda quase total dos requisitos de sobrevivência por grande parcela da população. A exclusão hoje tem fortes características de genocídio. Veja-se, nas relações globalizadas pelo capital financeiro, comparativamente com a acumulação na ponta da miséria, envolvido em recíprocas guerras de extermínio e assolado por seguidas epidemias. Ainda nessa vertente dramática, regiões do norte e do nordeste brasileiros e bolsões e guetos de miséria incrustados em suas principais cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. Enquanto isso, na ponta do capital o avanço da tecnologia e da informática não encontram limites, nem quanto à lucratividade, sem limites e apropriadas pelo capital e seus senhores e administradores no interesse exclusivo da acumulação e da produtividade. O grande desafio parece estar na compreensão do homem e de sua capacidade de resistência nessa dialética da exclusão. No sentido universal, todos apostam nos sucessos da tecnologia, alguns, entretanto, aqueles comprometidos com a revolução social, tem como imprescindível submetê-los aos interesses solidários da coletividade. Sem neo-ludismos mas confrontando os avanços da técnica com os meios possíveis de resistência à sua perversa destinação capitalista.
Boaventura de Sousa Santos integra, na mesma ação predatória dos conquistadores europeus, genocídio e epistemicídio. Segundo ele, faces da mesma moeda, não há genocídio sem epistemicídio. O texto é fecundo e merece transcrição: “eliminaram-se povos estranhos porque tinham formas de conhecimento estranho, porque eram sustentados por práticas sociais e povos estranhos”(9).
Na história, epistemicídio sempre “foi mais vasto que o genocídio, sempre ocorreu quando as práticas sociais ameaçavam as práticas capitalistas”. (Boaventura diz o mesmo relativamente às práticas da ex-União Soviética). Hoje, com o neoliberalismo e o mito da globalização, o epistemicídio se dá pela exclusão dos povos subalternos, que não têm (nem vão ter alguma hora) acesso ao saber produzido pela ininterrupta e veloz produção tecnológica, subjugada pelo capital e por isso, como se viu, voltada exclusivamente para a acumulação capitalista; e o genocídio, que já não carece de armas e escudos de ferro, decorre naturalmente da incapacidade dos excluídos de se apropriarem e se beneficiarem dos novos meios de produzir. Sobra-lhes, na lógica do sistema, miséria e morte.
A retórica dos Direitos Humanos, mesmo nas ações concretas residuais, soa mais como grito de alarme e esperança, e é muito útil que se continue gritando e acalentando a esperança; paciência e otimismo, como dizia um velho militante, são virtudes fundamentais. Quanto àqueles direitos e garantias positivados na Constituição, embora ainda com existência formal, são apenas fantasmas da cidadania perdida. Os direitos humanos, ou vão ser recriados e repostos nas lutas sociais coletivas dos oprimidos e excluídos, com a construção solidária de uma nova sociedade verdadeiramente democrática , ou ficarão de vez enformados em ações individualistas de escassa ou nenhuma conseqüência . Com o advento do modo de produção capitalista, o juridicismo dividiu o trabalhador. Se, no escravismo e na servidão era apenas objeto, sob o regime instaurado pela burguesia passou a ser, a uma só vez, sujeito e objeto, capaz de contratar sendo sujeito, e de ser, como mercadoria-força de trabalho, objeto de contratos.
Hoje, com a radicalização do capital, a robotização, a informática, a financeirização e a insaciabilidade do processo de acumulação de riquezas, que, do lado capitalista, exclui e extermina, o trabalhador está sofrendo intenso e continuado ataque à sua força de trabalho, e, conseqüentemente, por lhe arrancarem a única mercadoria que o capitalismo lhe reservara, à sua subjetivação jurídica, perfeitamente dispensável em quem já não tem mercadoria alguma a oferecer nos limites. Traçados e impostos pelo mercado. Não é à-toa que, engrossando o ataque ao trabalhador, forças institucionais fiéis ao capital querem extinguir a justiça do trabalho, mecanismo judiciário de fato incompatível com a lógica do neoliberalismo. Mas se o trabalhador fica fora do campo de produção não quer isso dizer que fique fora do processo capitalista, pois o próprio capital, “engendra e reproduz relações não capitalistas de produção”(10). Aos trabalhadores sobram como alternativas, pequenos trabalhos pessoais, biscates, as “quitandas” do narcotráfico e tantas outras, mas, de forma mais maciça e parecendo definitiva, o desemprego. Ou desprovido de qualquer trabalho ou evolvido em formas pré-capitalistas da produção capitalista, os direitos fundamentais, que pressupõem igualdade social, econômica e política e não apenas formalizados, tais fundamentos remanesçam, sem vida, na Constituição.
Com a perda da Constituição e correndo-se o risco de que além da ruptura do sistema defensivo das raízes sócio-econômicas da nacionalidade, se dê a jurisdicização dos interesses multinacionais através do Acordo Multilateral sobre investimento, está se fechando o processo de recolonização das nações do terceiro mundo(11), e destruindo-se os poucos mecanismos de resistência do povo brasileiro ao competente ataque as multinacionais, internamente, pela exclusão social, dá-se a dessubjetivação das camadas subalternas.
Mesmo a concepção liberal de direitos humanos, centrada no indivíduo, como a definiu a Declaração Universal, limita-se a inexpressivo conjunto de simulações institucionais, ainda quando, pelo esforço pessoal de seus integrantes um que outro resultado seja obtido, como é o caso GETRAF – Grupo de Repressão ao Trabalho Forçado e Comunidade Solidária.
Se, com a subjetivação, uma das características do direito burguês, o homem, para o bem (reconhecimento no campo jurídico) e para o mal (submissão ao controle do Estado e da empresa), se personalizava em direitos, com a dessubjetivação, descaracteriza-se como pessoa e vai perdendo o dom de ser também mercadoria, ou força de trabalho, isso pelo descarte que dele faz, de um lado, a financeirização da economia, de outro, o vertiginoso avanço do processo tecnológico, sob o controle e para os fins acumulativos do capital. Passa a ser, de uma só vez, ninguém e nada, na verdade socialmente passa a não ser. O trabalhador, enfim, nem mercadoria sendo, é utilizado como barragem, ou, outras vezes, moeda de troca, contra os ataques da especulação internacional. É como se o governo brasileiro, desveladas as mediações ideológicas, dissesse aos grandes banqueiros internacionais, diretamente ou através de suas representações (FMI, por exemplo): - tomem lá, levem tantas vidas, tantas quotas de saúde e tantas outras de educação em troca de credibilidade perante a banca, e conseqüentemente, de novos empréstimos.
Pois só aceitando outros pressupostos e incorporando lutas transformadoras, como a reforma agrária, as reformas urbana e sindical, será possível construir de fato uma nova teoria de direitos humanos, fundada no coletivo e na solidariedade como razão e princípio de vida. São lutas que não se constroem ou reconstroem sobre fantasias ou ledas intenções, ao contrário, pressupõem história pontual ligada a experiências concretas. A reforma agrária e a reforma urbana, com todas as suas especificidades características, como terra, habitação, saúde, educação, créditos, são bons exemplos. Em cada processo vai se formando uma relação típica e a compreensão recíproca de interesses e sociedades comuns que vão engendrar e reforçar demandas, um novo poder e a consciência de novos direitos, positivados ou a construir no curso das lutas, e o bom exemplo é a ocupação de terras, consagrada na prática do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Aqui não há como deixar de discernir na base da ação concreta um corte de classe. As camadas privilegiadas da população já construíram, no campo privado, seus espaços e liberdades. Embora o país tenha em seu elenco de vergonhas – ou por isso mesmo -, entre todos os países, o pior índice de distribuição de rendas, os ricos acumularam, na escala social, o melhor nível de moradia, em suntuosos prédios e condomínios fechados, medicina e hospital de primeiro mundo, educação e lazer qualificados e, principalmente, pela apropriação indireta da vontade e das necessidades sociais através da mídia, garantia de perpetuidade na posse do poder político institucional.
No confronto com o neoliberalismo os direitos humanos, nesse confronto uma prática de necessidade absoluta, serão compreendidos, construídos e, talvez, uma hora constitucionalizados, a partir do adensamento dos movimentos populares e sindicais e da descoberta de outros meios de emancipação. Não é que se tenha esgotado a modernidade em confusa e mal definida pós-modernidade, apenas da modernidade mudaram-lhe o curso em formas e caminhos mais apurados de dominação, ao invés de guerras armadas de destruição e extermínio, de que ainda se valem pontualmente com furor genocida, o extermínio e a dominação agora se fazem, com maior eficácia, com armas econômicas e financeiras e seus aparatos tecnológicos.
Na concreção dos meios emancipatórios, duas vertentes devem ser compreendidas e trabalhadas. A primeira está nas lutas e no poder popular que delas decorre, a segunda inspira-se nas sobras da Constituição, especialmente no caráter, presentativo da democracia direta nela previsto ao lado da tradicional representatividade típica das constituições burguesas (“Todo poder emana do povo, que o exerce por meio dos representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”).
Como bem ressalta Boaventura de Souza Santos (o Discurso e o Poder), nas sociedades capitalistas a homogeneidade jurídico-política é sempre precária e “produto concreto das lutas de classes, e esconde, por isso, contradições que não são nunca puramente econômicas. Estas contradições podem assumir, entre outras formas de incidência, diferentes expressões jurídicas, reveladoras, na sua relativa especificidade, dos diferentes modos por que se reproduz a dominação político-jurídica"(12). Não são puramente econômicas pois se refletem ou determinam em outras instâncias do processo histórico, como a social e a jurídica, mas são fundamentalmente econômicas. No caso dos países terceiro-mundistas, tais contradições, com a radicalização capitalista do neoliberalismo, aguçaram-se até os extremos da exclusão, ou da precária inclusão em recriadas formas de produção pré-capitalista, de pouca serventia e nenhuma esperança de vida. Na medida, porém em que excluídos e precariamente incluídos se aglutinem em experiências comunitárias e sindicais, e descubram o espaço e o tempo de reorganização coletiva, o processo de emancipação, já retomada na ação e nas propostas ampliadoras do MST, será inevitavelmente consolidada na prática mais constante e multiplicada do poder popular. Esse poder, sempre antevisto, inclusive na estrutura constitucional, mas pouco discutido, que se revela nas ações coletivas, sindicais e comunitárias, está a exigir dos destituídos meios mais eficientes de intervenção política, independentes das injunções e aparelhamentos partidários, quando mesmo os partidos aparentemente comprometidos com as lutas do povo vão conciliando, com divergências de pouca monta, e aceitando no fundamental, na raiz, para inverter o tônus da radicalização a agenda do neoliberalismo.
A outra vertente, a da Constituição, dá o indicativo para a ação popular que se queira eficiente no sentido absoluto de democracia. Primeiro, ao estabelecer, ao lado da participação indireta por representações, a participação direta do povo na produção política da sociedade (o referido art. 1º da Constituição Federal).
Segundo, ao prever nos pontos vitais de concreção da Constituição os mecanismos adequados para torná-la efetiva nos fatos, referindo, em todos os campos de repercussão social dos princípios fundamentais, a necessidade de abrir a burocracia formalística do institucional à participação popular.
É assim no tratamento dado aos municípios que, entre outros preceitos, devem garantir, nas respectivas leis orgânicas, a cooperação de associações representativas do povo do planejamento municipal e a iniciativa popular nos projetos de lei (Art. 29, XII e XIII). O mesmo se dá no campo da ordem social, na regulação da seguridade social, da saúde (Art. 198, III - "participação da comunidade"), da assistência social (Art. 204, II - "Participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis"), da cultura (Art. 216, $1º). De nota, ainda, no Estatuto da Criança e do Adolescente, os Conselhos de Direito e Tutelares.
Dir-se-á como objeção aos Conselhos instituídos que, por serem paritários, dificilmente escaparão ao controle político da administração pública. Pode ser mas não parece razoável desprezá-los nessa modalidade administrativa, pois ainda assim podem constituir, apesar das limitações, importantes espaços de reivindicações específicas.
Mas é no processo das lutas sociais que a criação de conselhos populares, significativos e representativos dos interesses e das necessidades dos excluídos, se revelam e impõem, como aconteceu em todos os momentos de ponta das grandes transformações históricas (A comuna de Paris, a revolução soviética, a revolução portuguesa, a revolução cubana, os conselhos de fábrica, etc.), como fundamento da ação política das massas. No caso concreto do Brasil de hoje, compreendendo-se eles no espaço próprio dos municípios, único solo concreto da estrutura constitucional federativa, se criados em função das lutas vitais (saúde, educação, terra, habitação), só serão preservados na prática concreta na medida em que os conselheiros sejam eleitos em assembléias populares periódicas que, além de elegê-los, definem a temática e as demandas ou causas do Conselho, única maneira de garantir a compreensão solidária e compartilhada das lutas e a participação des-individualizada e por isso coletiva (ou politicamente re-subjetivada) dos eventuais conselheiros. Não são eles, nem poderão vir a ser, representantes, são presentantes dos movimentos, por serem, cada um em sua relação com o movimento, o próprio movimento.
Os Conselhos Populares, se consolidados em redes mais amplas, podem significar importante avanço na conquista da dignidade do homem e na construção da cidadania, engendrando assim condições para o advento de uma nova sociedade fundada na reciprocidade igualitária entre os homens.
Na essência, a luta pelos direitos do homem e da mulher é uma luta contra o capital.
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NOTAS
(1) Falcão, Alcino Pinto. Constituição Anotada, Vol. I, José Konfino, 1956, p. 15 “Segundo reputado autor, o Prof. Carl Schmitt, as enunciações do preâmbulo correspondem até às decisões fundamentais, de mais préstimo e valia do que nelas se devem arrimar”.
(2) Agesta, Luis Sanches, O Sistema Político de la Constitución Española de 1978, Editoriales de Derecho Reunidas, 5ª ed., p. 88: “El Estado de Derecho tiene definido su contenido em la constitución española em el artículo décimo..... “es um princípio general que informa todo el texto constitucional”.
(3) Anderson, Perry, O Balanço ao Neoliberalismo, Pós-neoliberalismo, Paz e Terra, 3ª ed., p. 9.
(4) idem.
(5) Esteves, Carlos, Derechos Humanos, Globalización y Desarrollo in Derechos Humanos Democracia y desarrollo em América Latina, Novib, Bogotá, Colômbia, 1993.: Sinalizamos los planteamientos económicos que se aplicam in sociedades como la norte americana o la japonesa, vemos que alli non se implementam lãs recetas del FMI ni el neoliberalismo tal como si viem imponiendo in los países de América Latina. El neoliberalismo resulta una teoria curiosa: “buena para el paciente pero no papa el médico”.
(6) Baldez, Miguel Lanzellotti, A luta pela Terra Urbana, Revista da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, nº 51, 1968. p. 162.
(7) Canotilho, J. J. Gomes e Moreira, Vital. Fundamentos da Constituição, Coimbra Editora, 1991, p. 102 e 104 respectivamente.
(8) Mesma obra, mesmos autores (p. 99)
(9) Santos, Boaventura de Sousa. O Norte, o Sul e a Utopia in Pela mão de Alice, Cortez Editora, São Paulo, 1995, p. 328.
(10) Martins, José de Souza, O Cativeiro da Terra, Livraria Editora Ciências Humanas, 1979. p. 3.
(11) O AMI seria o quarto instrumento da dominação das multinacionais sobre o planeta. Existem o Banco Mundial (BIRD, que tem por objetivo controlar o desenvolvimento), o Fundo Monetário Internacional (FMI que controla as contas financeiras das nações e impõe a austeridade dos países endividados) e a Organização Mundial do Comércio (OMC, que assegura o livre comércio das mercadorias das multinacionais). O Acordo Multilateral sobre Investimento. Documento do Partido do Trabalho da Bélgica, publicado no Solidaire nº 12, de 18 de março de 1998, in Princípios, nº 52, 1999.
(12) Santos, Boaventura de Sousa, O Discurso e o Poder, Sérgio Fabris, 1998, p. 76.