07/05/2014

O que pensa um gestor público sobre a máquina burocrática do estado brasileiro



ENTREVISTA REALIZADA POR JOÃO LEANDRO PEREIRA CHAVES COM O SUBSECRETÁRIO DE GESTÃO ESTRATÉGICA DE VITÓRIA/ES, EM 2013.
Subsecretário (S) - Olá, vamos lá João?
Entrevistador (E) - vamos.
S - Vamos lá na mesa da minha sala, bom que a gente fica mais a vontade. Tem uma mesinha lá pra nós. Eu fiquei por aí, tive que estudar e tal. Foi um feriado mais ou menos né
E - você fala de ontem né?
S - Pois é, foi dia do servidor público, fiquei em casa fazendo um trabalho. Dizer que eu não trabalhei é exagero.
E - um dia só é difícil, né?
S - Estava preparando uma aula que eu tenho que dar amanhã aqui na prefeitura.
E - É?
S – E ainda tem gente que fala que servidor público não trabalha. Fico puto. A gente tem um monte de vagabundo né cara...
E – Muitos, né?
S - Tem muito vagabundo. Você acaba trabalhando por dois.
E - você trabalha pelo que não trabalha.
S - Tinha que poder demitir cara. Tinha que poder demitir. [...] Senta aí, cara.
E - Queria agradecer a disponibilidade de horário. Sei, pelo tempo que fiquei ali, que é a maior correria aqui, cheio de gente
S - Não, que isso cara. A gente acabou marcando ontem né, mas não rolou.
E - É. A Rafaela (secretária) me ligou falando. Eu estou fazendo um trabalho, sou aluno da FDV, sou do décimo período, e é um trabalho que trata justamente desse papinho que a gente teve vindo pra cá, sobre o funcionalismo público sob a ótica da sociologia, buscando o porquê do funcionalismo público hoje em dia ser como é no Brasil. Como o senhor...
S - Senhor não, pô! (risos)
E – Desculpe-me, você. Como você já adiantou o funcionário que não pode ser demitido e já tem uma garantia de emprego né, e isso dificulta o próprio trabalho aqui, e creio que em uma secretaria de Gestão Estratégica, aonde é quase que o coração assim da prefeitura, isso influencia bastante. Acho que olhar pelo enfoque de vocês é interessante para ter uma dimensão. Gostaria que você falasse um pouco disso.
S - Eu vou te dar minha opinião. Eu estou no serviço público há pouco tempo, há dois anos. Eu sou servidor efetivo, concursado e eu vim há três meses, eu vim pra cá, pra prefeitura, cedido. É igual contrato de jogador de futebol. Meu passe pertence ao Governo do Estado, e eu fui por empréstimo cedido à prefeitura à convite da Secretária Lenise, pra compor este quadro, quadro técnico né. Quando eu assumia a secretaria, a subsecretaria de gestão estratégica ela compõe um grupo de pessoas que tem cargo comissionado, mas ela compõe um equipe técnica, que é o normal na maioria das vezes, pra trabalhar com os demais funcionários da prefeitura que podem ser efetivos ou não. No geral são e..., em geral são, tem muitos efetivos que podem ocupar esses cargos comissionados, que podem exercer esse tipo de trabalho. Por eu ter vindo da iniciativa privada, algumas coisas, como tudo na vida, eu acho, tem seu lado bom e seu lado ruim, tudo. Lá na iniciativa privada tem muitas coisas boas e ruins, e aqui também, muitas coisas boas e ruins. Aqui, falando especificamente do trabalho no serviço público, que é o que a gente está falando, muitas vezes o excesso de burocracia, não é a burocracia em si. Eu acredito que o negócio é um negócio legal de um curso que eu fiz a pouco tempo. A gente vê a burocracia como um termo ruim. A burocracia não é ruim, a burocracia é bom. A burocracia é o que permite, é um conjunto de leis...
E – é uma forma de controle né.
S - É uma forma de controle do Estado. É o que permite que você seja transparente e seguro pra dar satisfação pra sociedade sobre o dinheiro que ela aplica. Mas qual o problema na minha opinião? É o excesso dela, de  burocracia. É o excesso de burocracia que faz essa lentidão, essa coisa que as pessoas vêm com grande descrença. Isso as vezes atrapalha até a gente que quer fazer determinado trabalho. Por exemplo, a gente... você vai contratar um serviço, a prefeitura vai contratar um serviço. Ela tem que fazer uma licitação. Essa é a lei. Se, por acaso, a empresa que ganhar essa licitação, a gente tem que contratar, mas e se essa empresa for ruim? Não cumprir o papel ao qual foi contratada.
E – apesar de cumprir os requisitos legais, você está suscetível a...
S - O número de exigências que a gente tem que fazer pra cumprir, pra tirar essa empresa e botar uma outra é tão grande e tão demorado, que muitas vezes você fica obrigado a assinar um termo contratual, que se fosse um contrato privado, lá fora, você teria cortado e acabou, corta essa porra e vão bora. E aqui não. A gente é obrigado a cumprir N procedimentos, prazo de 30 dias, aguarda em determinado setor,
E – prazo para processo administrativo...
S - abre um processo administrativo, a empresa tem o direito de recorrer do processo, aí são mais 30 dias, e quando você vê já se passaram três, quatro meses.
E – Aí até contratar outro né.
S - Aí você tem que abrir outra licitação, até contratar outra, já se passou metade de um ano. Aí o cidadão que está lá fora que tem o direito de cobrar, muitas vezes não entende isso, e fala: o pessoal aqui na prefeitura está coçando o saco. Tem que batalhar pra vencer o excesso de burocracia, o excesso de leis e que a gente tem que, eu acho, tudo isso vai ser e pode ser melhorado quando for feito as reformas políticas né, pelo Governo Federal, e assim por diante. Muita coisa pode ser melhorada. Eu, particularmente, já sinto uma alguma melhora, tanto do governo do Estado do Estado do Espírito Santo, como aqui na Prefeitura. O governo do estado já começou a mais tempo, e aqui na prefeitura  a gente está começando agora. Começou esse ano, pelo que a gente chama de gestão pra resultado, a gente montar todo o nosso planejamento estratégico com uma metodologia de gerenciamento de projetos. E qual é objetivo disso? O objetivo disso é a gente ganhar agilidade, identificando as dificuldades, identificando aonde estão as coisas erradas, fazendo um controle e um acompanhamento de todos os processos com mais rigor, sempre se buscando atingir metas. Essas metas são metas de prazo, são metas financeiras, de reduzir custo, metas de prazo principalmente, e as metas finais, que são chegar ao objetivo de atender ao cidadão.
E - você falou de burocracia. A parte mais prejudicada é o próprio cidadão né, por essa lentidão às vezes... por mais que  a secretaria busca atuar de maneira mais célere possível, ela esbarra na própria burocracia.
S - O grande prejudicado é o cidadão, é óbvio, e acaba que nós mesmos, nós que somos servidores também. A gente trabalha com muita gente boa, tem técnicos muito bons, profissionais muito bons e a gente atualmente não consegue desenvolver determinado trabalho por conta disso. Isso aí é bom Falar né, é Brasil, isso em qualquer prefeitura, em qualquer Governo do Estado.
E – É a mesma estrutura pra qualquer lugar do Brasil né

A estrutura é a mesma para todas do Brasil. O que muda é pequenas leis mais localizadas, mas estão apresentando sinais de melhor. Como eu falei, o Governo do Estado começou a um tempo um trabalho, se eu não me engano há cinco anos, uma gestão por resultado, eles já estão bem desenvolvidos, e estão inclusive ganhando prêmios aqui no Brasil por conta disso, prêmios concorrendo com empresas privadas. Agora nesse ano de 2013 o Governo do Estado ficou em segundo lugar no concurso, onde só o Governo do Estado concorreu como instituição pública, o resto era tudo empresa privada. Isso já é um sinal bem bacana. E a gente está indo no mesmo caminho, A prefeitura de vitória. A gente começou desde o início do ano uma mudança bem radical aqui que foi a implementação desse sistema de gerenciamento de projetos. Então não dá mais pra trabalhar dentro daquelas caixinhas isoladas. Como assim: um exemplo: você tem a secretaria de saúde trabalhando no combate ao crack, mas o crack ele se combate só com projeto de saúde? Não. Assistência social, educação e assim por diante. Então, ao invés de ser como antigamente, que a secretaria de saúde trabalhava sozinha no projeto. As vezes muito bom. A secretaria de assistência social trabalhava sozinha em outro projeto, e assim por diante. Agora a gente trabalha horizontalmente, é todo mundo junto. Existe um programa de combate ao crack, que chama “aonde anda você?”, onde atuam diversas pessoas, que podem ser da secretaria de saúde, educação, assistência social, de gestão estratégica. Então, você une forças e acaba ganhando velocidade, já que você poupa tempo dando volta pra cima e pra baixo.
E – porque não adianta nada às vezes uma secretaria adotar uma política e as vezes outra que influencia diretamente adotar uma política diversa né.
S – é, uma outra diferente. E a gente agora trabalha junto de forma a interagir com gente de outras cidades, de outros países até.
Momento em que uma pessoa para a reunião de 9:30 chega à sala.
S - A gente está funcionando mais ou menos assim agora, mais ou menos que eu digo que a gente está em um processo de construção. Neste momento a gente está exatamente terminando de construir todos os programas, terminando essas construções, elaborando os projetos com seus cronogramas, os dados, e hoje, muitos deles já estão em execução, pra gente já começar a apresentar resultados agora no final do ano para a sociedade.
E - É uma forma de tentar driblar um pouco esta burocracia, adotando políticas mais integradas, visando dar mais efetividade né?
S - Quando se diz driblar a burocracia, até porque infelizmente esse excesso de burocracia é lei, driblar não seria de repente o termo, é a gente tem que identificar os pontos, porque não é só a burocracia. Eu seria irresponsável, eu acho, se eu culpasse só o excesso de lei, de burocracia que causa a lentidão. Não é. Tem que identificar, e por esse metodologia a gente consegue isso aonde estão os nossos gargalos, aonde estão as falhas no processo que antes a gente não enxergava, talvez ou pelo excesso de burocracia, ou por outros motivos, muita gente não enxergava. Uma lentidão em um determinado processo, que passava duas vezes no mesmo setor, por exemplo. Há necessidade de passar duas vezes pelo mesmo setor? Não, não há, então vamos resolver essa parte...
E – menos uma etapa né.
S - menos uma etapa, vamos evitar ela. E assim por diante, identificando todos esses gargalos que já existem, identificando os riscos que no futuro podem surgir.
E - e você acha que o quadro de servidores, relativo ao andamento dos processos, os servidores que não possuem qualificação para ocupar tal cargo.
S - Eu acho que atrapalha. Talvez o desafio maior não é só na questão da contratação, né, “ah, vamos contratar sempre mais”, não é isso. Eu acho que em um primeiro momento o que a gente tem que ver também é um trabalho no sentido de você avaliar cada pessoa pra tentar obter o melhor dela. Existe uma coisa no serviço público de maneira geral, no Brasil, que é o seguinte: as dificuldades de você punir um mal servidor e as dificuldades de você beneficiar um servidor que tem um cargo muito bom. Foi o exemplo que eu te dei, que às vezes um cara muito ruim, que você não pode demitir porque não cabe. Mas em contrapartida, se você pega um funcionário, assim, nota mil, você não tem como dar um aumento pra ele, você não pode promover, porque isso é lei, ele vai continuar no mesmo posto. Essas São dificuldades que a gente poderia, em um futuro, pensar em melhorar.
E – só pelo fato do servidor ter um cargo comissionado não significa muita coisa né. Pode ser um servidor já efetivado que produz menos que um comissionado, ou você acha que isso...
S - A diferença em ser efetivo e comissionado, não acho que tenha muita diferença não. Porque você pode dar esse mesmo cargo comissionado a um servidor efetivo. O ideal é que se busque nessas pessoas, como eu estava falando, os perfis adequados, né, porque nem sempre, um profissional... Você é de que área lá na FDV?
E - Faço direito.
S - Então, por exemplo, dentro da sua faculdade, você tem várias áreas. Você tem direito tributário, criminal, ambiental, ás vezes se você for entrar em determinada empresa e for “jogado” em uma área que não é o seu perfil, você cuidar de direito de família quando na sua vida inteira você é um especialista em direito tributário, você não vai desenvolver bem, você não vai ficar satisfeito. O ideal é que você consiga buscar nas pessoas o perfil adequado e tentar adequar àquilo que ela vai atender melhor. A gente tem conseguido isso aqui com algum sucesso. É claro que nem sempre é possível fazer, mas na medida do possível a gente está conseguindo fazer, com planejamento, com o objetivo de dar mais eficiência, e também sem perder o foco que é o objetivo do governo de redução, o governo de Luciano Rezende, de redução desses cargos comissionados, a gente teve uma queda de receita muito forte, e a gente infelizmente tem que andar de acordo com a realidade econômica do país, a gente sabe. O dinheiro está curto, a receita caiu muito, e a gente tem que se adequar a isso como qualquer empresa, não é porque é a prefeitura. Se fosse uma empresa privada a gente teria que andar na linha do mesmo jeito, não é? Na prefeitura é assim também. A gente sabe que temos responsabilidade.
E – Bom, acho que era isso que eu vim aqui pra conversar. Sei que você está atrasado para a outra reunião
S – não, estamos esperando mais uma pessoa.
E – não, era mais isso mesmo que eu queria tratar, a questão de eficiência, da burocracia de cargos, de servidores também, e eu saio daqui com uma boa impressão, creio que é esse mesmo o objetivo, eu acho, de se adequar à realidade e não existe mais espaço para amadorismo, tem que ter profissionalismo e eu vejo que...
S – É, tem que ser profissional. Essa conversa que eu estou tendo com você, na verdade é uma conversa que eu tenho com muita gente. Teve uma vez cara, que eu tava no carnaval com meus amigos. Amigo meu piloto da TAM e dois colegas dele, pilotos também, todo mundo junto, estávamos lá no RJ. E os caras danaram de falar mal de funcionário público. Eu comecei a ir ficando puto, puto, puto. Mas o que eu sinto, o que acontece, falta de conhecimento dos caras, falta de conhecimento de como funcionam as coisas, como é dividido no nosso país os três poderes, e aí muitas vezes por conta da má fama de um político que é um cara no judiciário que ganha 20 mil reais, que eles acham que todo servidor público ganha isso. Não é assim. No executivo os salários não são assim. Esses salários altos é no executivo e no judiciário. Perdão, no legislativo e no judiciário. É essa turma que ganha 29, 20, 19 mil reais. Aqui no executivo não é assim. Professor não ganha assim, polícia não ganha assim, bombeiro não ganha assim, salva-vidas não ganha assim, que é o maior número de funcionários é esse. O poder executivo é muito maior que todos os outros.
E - a pessoa já tem uma ideia daquele servidor público, uma cultura daquele servidor que não gosta de trabalhar, que é preguiçoso, sempre em um ambiente altamente burocrático que não atende bem as pessoas, e acho que não é bem assim, hoje em dia a tendência...
S – Sinceramente, eu acho que está mudando pra melhor, sem sacanagem. Está mudando lentamente, não tem jeito. Infelizmente muda devagar, não tem como ser tão rápido, mas eu acho que está mudando pra melhor. Esses concursos públicos que estão tendo por aí estão ficando cada vez mais profissionais, porque o que que acontece: antes qualquer um fazia um concurso. Olha um concurso aí pra... Não precisa ser pra juiz, pra um cargo qualquer. Você tem um concurso de nível médio. O que tem de advogado formado fazendo concurso de nível médio é imenso, então você está se especializando. É sempre bom você estar colocando pra dentro pessoas que são especialistas. Ainda tem que melhorar este lado que eu te falei, realmente uma forma de você valorizar os bons profissionais. Senão o que acontece. O pessoal vai especializando, e vem a iniciativa privada e tum, leva embora. Se a gente quer, digo a prefeitura, o Governo do Estado, se a gente quer o mesmo desempenho de uma empresa privada, beleza, eu acho legal. Então você tem que jogar com a mesma regra, a mesma regra do jogo. Não adianta, no caso dos meus amigos pilotos que a gente estava falando mal da Infraero, que é uma empresa federal, que cuida da infraestrutura dos aeroportos. Não dá pra reformar a Infraero. É muito fácil. Eu falo sempre isso. Agora que eu estou do lado de dentro do balcão, é mais fácil eu fazer concurso. É muito fácil eu ir pro aeroporto de Vitória, do Rio de Janeiro, que são uma bosta todos eles, e falar: “ah, isso aqui é um lixo”. quanto tempo tem que a Infraero não tem um concurso público? Para botar profissionais qualificados lá dentro. Tem muito tempo. Olha o orçamento dos caras da Infraero. Eles não tem dinheiro pra nada. Você vai em muita empresa aí, pública, muitas vezes eles passam um aperto de não tem dinheiro pra comprar papel higiênico. Como que você consegue um profissional bom? O cara vai embora, vai embora. Então você tem que ter um olhar crítico e ver toda a situação. Vamos avaliar como uma empresa? Vamos, vamos avaliar por dentro e por fora. Para um desempenho bom ela tem que ter recurso financeiro, recursos humanos, e tudo otimizado. Claro, não é colocar um monte de funcionários pra dentro pra ficar coçando. Se o funcionário não está bem, manda mal, não quer trabalhar, deve existir mecanismos para mandar embora. Alguns mecanismos já existem. Eu ainda, como eu te falei, sou servidor há dois anos, pelo Governo do Estado. Eu tenho que cumprir o chamado estágio probatório por três anos, onde eu só vou alcançar minha estabilidade depois de três anos como servidor, porque eu não sou estável. Eu sou avaliado semestralmente e se eu não tiver uma boa nota posso ser demitido, e isso é importante. Eu acho que tem que ser assim mesmo. Para o cara que falta, para o médico que falta o plantão, tem que ter esse tipo de coisa. E aí as coisas começam a funcionar.
E - é uma mudança gradativa né, não se pode mudar da noite pro dia.
S - Da noite pro dia não vai mudar. Você tem que mudar muita coisa, como lei. Isso não se muda da noite pro dia. Mas eu confesso que vejo uma esperança. As coisas então melhorando. Aqui na Prefeitura quando eu vim pra cá a três meses atrás eu vi muita gente boa. Encontrei muito técnico fera que trabalharia em qualquer empresa privada. Claro que tem muita gente ruim, mas aí com o tempo essa turma é mandada embora. Está melhorando, está melhorando. Tenho a impressão de que a gente vai deixar um bom trabalho quando a gente sair daqui.
Momento em que a Secretária envia uma mensagem para o subsecretário. Áudio interrompido.

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