11/03/2011

A Justiça deve ir aonde o povo está

Segue abaixo o texto já clássico de José Murilo de Carvalho, publicado originariamente na revista Getúlio de março de 2008, e que sintetiza muito bem os principais dilemas atuais para ampliação do acesso à justiça no Brasil, permitindo reflexões importantes sobre modos de resolver esses problemas apontados por ele.
Boa leitura e bom trabalho!


A JUSTIÇA DEVE IR AONDE O POVO ESTÁ


José Murilo de Carvalho

Analise a criminalidade, pergunte às pessoas que foram vítimas de roubo, furto, violência física, quantos recorreram à polícia? Apenas 20%. Pode multiplicar os registros policiais por cinco para chegar ao número real, pois apenas 20% vão à polícia para registrar queixa. São dados de pesquisa, que podem dar uma pequena diferença de um ano para outro. Em muitos casos a própria Polícia Civil recomenda que não se registre a queixa porque não vai adiantar nada, vai demorar muito. E aí entram as outras estatísticas: no Brasil, quantos crimes registrados são investigados ou punidos? Seguindo todos os passos, primeiro tem de registrar o crime, depois a polícia irá investigar, após segue para o Ministério Público, a seguir vem o julgamento e, por fim, a execução. Isso já foi calculado: apenas 2% das ocorrências que entram no sistema chegam lá no final, com condenação e execução. Se lembrarmos que as causas que entram no sistema são, digamos, apenas 20% do que acontece, vivemos em um país sem lei.
E quanto à reforma do Judiciário? Com tantas tentativas, juizados especiais de pequenas causas... Eu dava importância a isso. Mas o resultado das avaliações é que o sistema se tornou um grande mecanismo para melhorar o atendimento à classe média. E, sobretudo, o direito do consumidor, que é um direito de classe média. A Constituição prevê vários mecanismos que nunca foram implementados, como as varas agrárias. A Constituição prevê a criação dos júris de paz, que seriam um mediador, e não se fez nada. Quando se criaram os juizados especiais houve uma reação da OAB, pois o grande mote disso era ser uma coisa rápida e que não precisasse de advogados. Aí se chegou a um acordo. Até tantos salários mínimos (na época R$ 4 mil), não precisaria de advogado. Acima desse valor, entrava o advogado. Há o corporativismo dessas instituições, da polícia, delegados, juízes, advogados e, mais recentemente, o Ministério Público. São corporações brigando entre si por privilégios, por equiparações de salários. E onde fica o interesse do cidadão? Em todas essas corporações a única resposta é “Não fazemos porque não temos dinheiro”. Do ponto de vista dos direitos da população, o que interessa não é a briga lá em cima, mas o contato do Judiciário com essa população e o acesso dela à justiça. Até a nomenclatura está errada. Essa expressão “Palácio da Justiça” revela uma visão do Judiciário como poder e não como serviço à população. Quando se entra num fórum, é um caos tão grande que qualquer pessoa simples que chega ali fica perdida. Então, por que a Justiça não faz o caminho inverso e vai até a população? Distribui tudo isso. Bota varas em favelas, pequenos pontos de atendimento, como o SUS faz com a saúde, como se fez com os correios, abrindo postos em vários lugares para atender a população.

Um comentário:

  1. A questão da "distribuição" da justiça além do foro realmente está restrita à iniciativa de alguns juízes engajados que orgazizam independetemente multirões para tentar resolver os casos menos complexos, que muitas vezes são solucionados por acordos... interessante observar como o brasileiro de um modo geral, apesar de procurar o contencioso, consegue encontrar um meio termo com a presença de um mediador que busque, de fato, cotejar interesses. realmente a população muitas vezes precisa apenas de amparo, e não de um longo e complexo trâmite judicial. esse tipo de movimento deveria ser mesmo oficial...a mediação parece ser uma alternativa bastante relevante, que inclusive contribui para que juízes consigam dar conta das novas "metas" do judiciário. Além dessa questão me veio à cabeça também a dificuldade de compreensão dos termos e das etapas processuais que a maioria dos cidadãos encontra, fazendo das leis e do Direito um verdadeiro código indecifrável hahaha, interessante pensar modos de tornar tudo isso mais acessível...
    Abraços.

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